Relatos Diários - Parte 2

Lívia é uma garota com planos. Aos 20 anos, cultiva grandes ambições para o futuro. Esforçada, ainda vive com os pais e trabalha num curso de inglês (domina a língua perfeitamente) para juntar dinheiro nesses tempos de vacas magras.

E como ficou feliz quando a chamaram para um trabalho como tradutora! Era simples - ajudar uma simpática senhora tailandesa (tal quais as velhinhas de desenho animado, baixinha e sorridente) a se comunicar com seus fregueses. God bless America! – o inglês é uma língua vital, capaz de unir Brasil e Tailândia com uma gramática simples e potente.

E lá foi ela para seu trabalho temporário. Não tinha muito traquejo para vendas, então considerou a situação como um aprendizado a mais. Artesanato, sapatos típicos, ornamentos, utensílios. Um micro universo tailandês em pleno terreno brasileiro. Mas ela não estava preparada para o que sentiria naquela tarde chuvosa.

Em meio a tantos clientes estão uma mãe e seu filho. Mulher extrovertida, se interessa por girafas de madeira e pequenos gatos de estante. Lívia rapidamente assume sua posição de intermediadora da negociação entre a tailandesa e a brasileira - é twenty-five pra lá, vinte e cinco pra cá. Mas algo a incomodava fortemente. Era aquele garoto.

Enquanto a mãe falava, ele simplesmente ficava ali, parado em frente ao balcão. Tinha mais ou menos sua idade e um jeito tímido, daqueles que mal sabem aonde colocar as mãos nem onde fixar os olhos. Mas, em alguma de suas tentativas de olhar pra algum canto, seus olhos se cruzaram com os de Lívia. Houve uma fração de segundo com surpresa para ambos os lados. Ambos os olhares se desviaram, mas alguns segundos depois voltaram a se encontrar. Era um magnetismo surreal, que fazia toda aquela transação monetária que estava acontecendo ao lado parecer como um fato distante e o mundo se resumir a aquele casal cheio de receio.

Lívia não soube explicar naquele momento, mas o que ela sentiu foi amor. Amou aquele garoto por breves dois minutos e meio, o tempo que levou para a mãe desistir de comprar algo e o levar para longe. Suspirou, imaginando como seria sua voz, o toque de sua mão despindo-a, seus beijos na nuca em uma manhã ensolarada de domingo, o seu filho que carregaria no ventre.

Como é cruel esse ser chamado Destino! Ao dar um breve vislumbre do amor a jovem Lívia, maculou-a com uma das marcas mais profundas de todas: o arrependimento. Lívia nunca mais viu esse garoto e às vezes se lembra do fato com amargura. Um amor de apenas dois minutos e meio, mas intenso como poucos.